

Luz e Vida
Para o Caio Porfírio Carneiro
Rosani Abou Adal
Os olhos vão perdendo o brilho
quando os anos pesam sobre os ombros.
Os teus acentuam a luminosidade
com o envelhecimento do tempo,
fazem brilhar o sol de Iracema,
as estrelas do céu do Futuro,
dão mais vida à flora
e aos meninos marinhos
das águas salinas de Fortaleza,
reluzem de esperanças
os homens do agreste,
germinam frutos
nas terras do Pau Caído,
dão mais forças aos poetas
para plantarem flores
nos blocos de concreto.
És a poesia dos escritores,
A prosa da vida na cidade,
O romance das crianças do sertão,
as palavras machadianas
que iluminam a criação dos homens.
Poema com música (valsa) de Waldir da Fonseca
Veleiro Invisível
Rosani Abou Adal
Som invade solidão da alma,
coração sem vestes em naufrágio.
Barco sem rumo, sem destino
guia meus pensamentos.
Marinheiro solitário na noite,
sem estrelas, sem bússola.
Mar negro ilumina caminhos,
transcende a metáfora do vazio.
Peixes dormem no fundo do oceano,
apenas ondas quebram o silêncio.
Palavras mudas acordam multidões.
Sozinha em pensamentos,
sinto o cheiro dos espíritos
visitantes do veleiro invisível.
Futuro Neon
Rosani Abou Adal
Flores brotam no coração da Sé,
a Catedral sorri em uníssono.
O chafariz ilumina e acolhe
os homens sem teto e sem fruto.
Os sonhos refazem a vida que colhe
esperanças no altar mor das ilusões.
O evangelho é proclamado
pelos fiéis no banco da praça.
Menores fumam craque e cheiram cola
em busca de um futuro neon.
As calçadas de plástico clamam em nome da paz.
Eremitas vendem sonhos nas ruas.
A Catedral da Sé, um poliedro de esperanças.
Os pratos vazios amanhecem no ventre
da cidade desvairada
e, nas escadarias, Mário de Andrade
canta Salmos e bebe Kyries.
Fome - grita alguém do outro lado.
Sede - exclama o comedor de fogo.
Milhões de pessoas a naufragar
no silêncio da melodia muda.
Ninguém escuta os filhos da mesma aurora.
Pausa - a cidade ensurdece e emudece.
A fome e a sede, as cores vivas do País.
(In Paixão por São Paulo, Editora Terceiro Nome)
Adeus à Doçura
Rosani Abou Adal
Mariana não piscou os olhos,
não nadou no Rio Doce
Mergulhou nas águas de aço,
na lama do vale de ferro.
Não decifrou o enigma dos mistérios
ocultos entre o Brasil e a Suíça.
Pés descalços em feridas,
sem teto, sem chão, a ermo.
A vida num sopro desmoronou
nos gemidos da barreira.
A alma da terra e do rio em silêncio.
Os habitantes de suas águas
deram o último suspiro que ainda
ecoa nas montanhas de Minas.
Gerais deu adeus à doçura.
Canto do Alaúde
Rosani Abou Adal
De bandeira azul e vermelha
eles chegaram e se apossaram
da Terra Prometida.
Roubaram a paz
Nunca mais foram embora.
Roubar a pátria dos outros
um ataque suicida
com início, meio,
nunca tem fim,
incalculável no ábaco.
Tirar os sapatos,
lavar os pés,
limpar a alma,
entrar na Mesquita,
falar com Alá.
Ser Deus por um dia.
Sonho perfeito:
Amar o próximo
como a si mesmo.
Homem, bicho
não importa gênero,
sexo, raça, espécie.
Sonho mais que perfeito:
Amar a Deus sobre
todas as coisas
que nunca foram coisas.
Poderosos do Ocidente,
parentes do ketchup,
mataram sem piedade
os filhos do shoyo.
Furtaram os sete véus da odalisca,
sufocaram o som do derbak
e violentaram o canto do alaúde.
Terrorismo sabor marshmallow,
Raha gosto de lembrança.
Deserto ermo,
estátua da liberdade
deixando marcas
entre grãos de areia.
Meninas órfãs,
escondidas atrás da burca,
plantam sonhos.
Não colhem ilusões,
apenas frutos vermelhos
do adeus dos seus pais.
Era uma criança valente,
não tinha medo de nada.
Quando escutava bombas,
ecoando no assoalho,
cobria a cabeça com o lençol
e sonhava, sonhava, sonhava...
Foie gras
Rosani Abou Adal
Enjaulado num cubículo,
a cabeça fora
sem condições de defesa.
Sem vontade de viver e comer,
enfiam comida goela abaixo.
Meses e meses na engorda,
a dor é assustadora.
Agonia e sofrimento sem fim.
Arrancam-lhe o fígado
para o patê francês.
A burguesia satisfeita
paga cara a conta
do restaurante.
Dia seguinte evacua o pato,
o ganso em farelos
e dá descarga ao mesmo tempo.
Não mata, paga para matar.
Não suporta o cheiro da covardia.
Jóia do Nilo
Rosani Abou Adal
Olhar triste cabisbaixo,
rabo entre as pernas.
A fome e o medo,
os seus companheiros.
As marcas do abandono
na costela quebrada.
Passos trêmulos se aproximou.
Saciou a sede e a fome,
sem forças para caminhar,
deitou-se ao meu lado.
Trocamos afagos e carinhos,
uma lágrima deslizou até o focinho
-
não resisti e ele me adotou.
Bijou, a minha jóia do Nilo,
acompanha meus passos,
conhece meus segredos
e me acolhe nas noites de solidão.
Na calada da noite conversamos
através de mantras caninos,
Bijou suspira aliviado.
Dormimos e sonhamos sem medo.